Helena Arcoverde

Eles não sabem o que fazem

Posted in Crônica by helenarcoverde on 09/05/2020

Por Helena Sobral-Arcoverde

Sem teoria da conspiração. Parece viável afirmar que essa pandemia trará um retrato fiel da sociedade de cada país. No caso brasileiro, essa descrição não surpreende, mas reafirma temores. Só não fará passar vergonha a quem não tem. Pessoas se posicionando contra normas sanitárias, contra o prenúncio da morte, desesperadas por se aglomerar em feiras, adentrar comércios, aproveitar o fechamento das escolas dos filhos e se esbaldar no litoral. Faltou, na formação, a noção do findar, do efêmero, da compaixão pelo outro. Não somos eternos, nem viemos para ficar, temos menos tempo do que uma simples folha de papel arquivada. A questão econômica é, sim, um componente desse comportamento desenfreado, desse não ficar em casa, mas não somente. Faltam valores que contemplem o além de nós. É preciso amar além dos nossos, mas o que se vê em meio à pandemia, é que esse amor é tão pouco, que nem os nossos são levados em conta. A pandemia nos atrelou. Viver – pelo menos por enquanto, significa salvar o outro. E é isso que não se percebe, comprovável pelo descontrole. Sim, a morte espreita e, de alguma forma, somos responsáveis quando ela chega na casa do vizinho. “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”.

A arte: do palco à varanda

Posted in Crônica by helenarcoverde on 28/04/2020

 

A arte teria sido beneficiada pelo isolamento face à pandemia? É possível, mas esse já é um processo em andamento nas redes há algumas décadas. A arte floresce em espaços urbanos, domésticos, no campo. Entre flores, com poucos ou muitos acompanhantes. Nos “dramas” de há muito, nos becos e muros. Ela flui na solidão das moradias. Porque não se adaptaria a esses tempos que, para muitos, beira ao aprisionamento? E, como gosta de se “amostrar” nas vernissages, nos palcos, nas salas de cinema, aproveitou as câmeras dos celulares e passou a se exibir nas redes. Do palco para as pequenas varandas que mal cabe um. Mas ela cabe em qualquer lugar. Não é de hoje que o aprisionamento gerou verdadeiras obras-primas. Via lives, sacadas, bibliotecas, salas, e até quartos, ela se revela e – por que não? Se democratiza, revela anônimos, soma seguidores. Assim, se o isolamento que tanto incomoda servir para fomenter o encontro entre a alma e o fazer artístico, pelo menos para alguma coisa essa peste, como chamariam os antigos, serviu. As ondas passarão e a arte continuará com ou sem território. Então, sem drama, todos pra casa.

Costume de casa vai à praça

Posted in Crônica by helenarcoverde on 07/12/2019

Helena Sobral-Arcoverde
Diferentes povos, seus costumes, dizeres, usos da língua, modo de vida possuem suas complexidades. Um não é mais que o outro. Nem menos singular, nem menos rico, nem menor. Portanto, o preconceito tem como suporte principal a ignorância. Ninguém está livre totalmente desse mal, contudo, parece que ele fascina certos tipos. Por inteiro. É como uma roupa de seda que vai caindo no corpo e se imiscui em todas as reentrâncias e vai descendo até não conseguir mais nenhum canto do corpo porque todo ele foi tomado. Sem determinismo, é bem provável que a pessoa ignorante, independente do poder aquisitivo, conviveu com pais igualmente ignorantes, que – ao invés de fomentarem amor pelo outro, fosse ele quem fosse, preferiram formar gente igualmente desprezível, pessoas em que a pequenez é tanta que nada mais é do que alguém doente. A ignorância é, sim, um mal, uma doença que inferioriza, que destrói, que impede a si e ao outro. O Nordeste é vítima. É provável que este tipo de preconceito esconda outros, porque, como eu disse, a seda vai caindo e tomando todo o corpo (nesse caso, a mente, o caráter, enfim). “Costume de casa vai à praça” e – se a criatura não for capaz de se questionar, será apenas mais uma a sujar o Planeta.

A generosidade surpreende

Posted in Crônica by helenarcoverde on 29/11/2019

Helena Sobral-Arcoverde

Meus avós, caso se deixassem nortear pelos valores sórdidos de boa parte das pessoas, seriam vaidosos. Mas se afastaram desse pecado. Por isso, ficaram na memória de muitos. Para eles, não importava a conta bancária, a procedência, a cidade de onde vieram, a aparência. O outro era, para esse casal, a maior riqueza. A comoção popular acerca da morte do apresentador Gugu Liberato, aos 60, teve como motivações a alegria, generosidade e simplicidade. Ele falava a linguagem do povo simples com o mesmo interesse com o qual dialogava com os mais abastados. Pelo menos foi isso que ficou evidente por meio dos diferentes depoimentos colhidos pelos jornalistas e apresentadores. Mas, para os sórdidos, essas atitudes são caminhadas árduas. Ser generoso dói para os que não enxergam ninguém além dos seus próprios interesses. A comoção causada pela morte de alguém em que a população mais simples se sente representada é louvável, mas a surpresa com a generosidade e simplicidade indicam, apenas, que temos poucos exemplos no país. E isso não é nada bom.

NA TERRA DE SANTA CRUZ

Posted in Crônica by helenarcoverde on 23/01/2019

por Helena Sobral Arcoverde
A mulher trazia a criança- que teria , no máximo uns 3 anos, até o portão da escola. Do interior da instituição, a professora sorria e – de primeira, perguntou: – trouxe todas as tarefas? A cena não era irreal, todos a conhecem bem. Tão bem que já ouvi alguém argumentando: os pais querem que os filhos se ocupem e avancem mais rápido. Nesse contexto, não há muito o que dizer. O certo é que o palavreado “no papel” e nos sites educacionais públicos e privados (e em órgãos “reguladores”) é formoso “. Em alguns casos, “pra “inglês ver”. No entanto, estou certa de que: quando uma escola enche uma criança de jardim e primeira série de tarefas ela está negando todo processo de aprendizagem, negando o fato de que o desenvolvimento perpassa por uma série de aspectos incluindo o brincar, o convívio, o diálogo, as tentativas de relações com outras crianças e com adultos, as tentativas de diálogo, enfim. O conteúdo, com isto, torna-se a única via possível do aprender, do desenvolver, do crescer, uma via de mão única, esmagando todas as outras que fariam daquela criança um ser mais completo, mais integral, mais capaz de transformar o que está a sua volta.A culpa nem é somente do professor, mas de um contexto em que nada é mais significativo do que a quantidade (bom se transpusessem esse processo de priorização da quantidade para os ganhos na formação de preço, que tal?), do que o demonstrar, do que o imediatismo de respostas. “Bombaquim, bombaquim, deixa nóis passar…”. Normal por aqui na terra de Santa Cruz.